Era necessário reacender seu plano de luz. Se penumbrou, se sublinhou, reticenciou o assunto e encerrou o monólogo. Entendeu por fim que nada será como antes. “No princípio era o verbo”. Agora, subjetivando-se entre os vertebrados, entre pássaros, folhas, flores e frutos, passa a perceber que “Os brutos também amam”. Diz uma velha canção, que se faz recordar. Cada cabeça é um mundo, cada mundo tem suas tribos.
A sua é de Já, de agora e sempre. O eterno é uma incógnita, o amor é livre, está a milhões de anos luz do seu umbigo.
Em seu entorno, seres invisíveis, incomensuravelmente superiores à sua significância, se fazem presentes em cada molécula do ar que respira. A noite foi longa, a luz do seu olhar luminava na melancolia daquela música que hipnotizava a platéia ali presente. Era imprescindível uma concentração mais abstrata, pois o desejo lhe rasgava a carne, à medida em que as lembranças aceleravam o ritmo da última canção que fizera, protagonizando a mais cruel de suas tentações. Cânticos e louvores a Eros soavam pela madrugada.
Era o último ato. As luzes que azulavam o tablado, aos poucos se amiudavam, fazendo desaparecer a imagem que serviu de mote para uma fábula ferida, cheia de reticências, paragrafos e interrogações.
Deu o último acorde, pôs o instrumento no pedestal, guardou a batuta e se curvou perante o público, reverenciando a todos, que o aplaudiam de pé, e assim foram todos os concertos de uma opereta que termina agora, entre a nudez da alma e o sobre-tudo da razão.
A sinfonia da vida faz uma pausa, para dar inicio a uma nova composição. Um novo mote surge entre o virtual e a fantasia, a orquestra lhe espera, e mais um bolero se fará fundo musical para o atavismo de um poeta que pendurou a vida num arame e baila no picadeiro de um circo voador, sorrindo, cantando, e achando graça daquela velha piada que um velho palhaço lhe contou antes de começar o espetáculo.