Estudantes transformam medalhas olímpicas em acesso a universidades

Gustavo Jun, 17, entrou no universo das olimpíadas científicas com um objetivo: preparar-se para conquistar uma vaga em medicina. Desde o 9º ano, passou a estudar biologia, química e física além da sala de aula e chegou ao pódio de competições nacionais e internacionais. Agora, pretende usar as medalhas como porta de entrada para a universidade.

No ensino médio, ele ingressou na turma dedicada a alunos olímpicos do Objetivo Integrado. Para Gustavo, o nível de algumas provas vai muito além do conteúdo do ensino básico, chegando próximo ao da graduação. “No vestibular vai melhor quem acerta mais, não quem sabe mais. A olimpíada não é previsível. É impossível saber tudo”, afirma.

As conquistas de estudantes como Gustavo não são apenas motivo de orgulho. Elas podem render vaga em cursos disputados de universidades públicas por meio da chamada vaga olímpica. Criada pela Unicamp em 2019, a modalidade já foi adotada por USP, Unesp, UFABC (federal do ABC) e UFMS (federal de Mato Grosso do Sul). As informações são da Folha de São Paulo.

O processo ocorre em paralelo ao vestibular. Cada universidade define quais olimpíadas reconhece e como transforma medalhas em pontuação. Quanto mais alta a premiação e mais ampla a competição, maiores as chances.

Entre as principais conquistas de Gustavo estão a prata individual e o ouro por equipes na IJSO (Olimpíada Internacional Júnior de Ciências), além de medalhas em física, química e biologia. Neste ano, após conhecer melhor a modalidade de ingresso olímpico com seus professores, decidiu focar a área de biologia para tentar medicina.

A estratégia deu resultado: na Finlândia, conquistou o bronze na IBO (Olimpíada Internacional de Biologia), após preparação na OBB (Olimpíada Brasileira de Biologia), organizada pelo Instituto Butantan. Ele descreve a fase de treinamento no instituto como “muito boa” e, ao mesmo tempo, “tensa”.

Maria Luiza Guimarães, coordenadora do Objetivo Integrado, diz que esse perfil de aluno é movido pelo desejo de aprender além da escola. “Eles gostam de estudar muito, de se aprofundar. O conteúdo que a gente precisa oferecer chega a ser de nível superior.”

Para ela, as vagas olímpicas reconhecem um mérito que pode passar despercebido nas provas tradicionais, especialmente entre estudantes que se dedicam intensamente em uma área, mas podem ter menor desempenho em outras.

De acordo com José Alves, diretor da Comvest, a comissão de vestibular da Unicamp, o estudante olímpico costuma ter maior envolvimento acadêmico e predisposição para discutir problemas em alto nível. Segundo ele, as olimpíadas permitem desenvolver investigação, formulação de problemas e metodologias científicas.

A Unicamp já selecionou 383 alunos desde 2019. O recorde ocorreu em 2024, quando 63 ingressaram pela modalidade. Alves afirma que a universidade estimula novos cursos a adotarem o modelo. “O rendimento desses estudantes é alto em comparação aos demais. O desafio é oferecer um ensino mais atrativo, porque os primeiros semestres muitas vezes são muito básicos para quem já tem esse nível”.

Outro ponto importante para Gustavo foi conhecer colegas com interesses semelhantes na OBB e no Butantan. “Dentre as opções, biologia não é a mais popular entre quem escolhe as competições de conhecimentos”, comenta.

Para Alves, o maior desafio agora é ampliar a presença de olimpíadas reconhecidas em biológicas e humanidades, hoje em menor número que nas exatas.

A Fuvest, que organiza o vestibular da USP, também se diz entusiasta da modalidade. O diretor-executivo, Gustavo Monaco, afirma que as vagas olímpicas atraem estudantes com perfil compatível ao egresso que a universidade busca formar.

INCLUSÃO SOCIAL E FORMAÇÃO PESSOAL
O modelo de ingresso olímpico não serve apenas como um caminho para universidades tradicionais. Ele também deu origem a uma graduação inédita no país, o bacharelado em Matemática da Tecnologia e Inovação do Impa Tech, criado pelo Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) no Rio de Janeiro.

Marcelo Viana, diretor-geral do instituto e colunista da Folha, lembra que a OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), organizada pelo Impa há 20 anos, revelou uma rede de talentos. “A Olimpíada avalia raciocínio, não conhecimento. Isso importa porque o conhecimento depende da escola frequentada. O talento é algo mais inato.”

Segundo ele, o critério é mais democrático do que vestibulares, que refletem a qualidade da escola. “Está cheio de exemplos de medalhistas que estudaram em escolas municipais ou rurais. Teve medalhista de ouro no Acre que se preparou assistindo canal no YouTube. Quem seria primeiro no vestibular da USP nessas condições?”

O Impa Tech reserva 80% das vagas para medalhistas de olimpíadas nacionais de matemática, física, química e informática. Os 20% restantes são preenchidos pela nota de matemática do Enem. As duas turmas já formadas têm estudantes de mais de 20 estados.

Além da questão social, as olimpíadas também ajudam no desenvolvimento pessoal. Para Guimarães, competições fortalecem habilidades emocionais e sociais, sobretudo em alunos introvertidos. “Muitos, às vezes quietinhos, aprendem a se relacionar. Essa parte também é desenvolvida”, diz.

Ela também destaca o espírito de colaboração entre os competidores. “Você não sente a concorrência. Você sente justamente um ajudando o outro.”

Gustavo valoriza esse aspecto. Para ele, o contato com colegas brasileiros e estrangeiros foi “maravilhoso” e permitiu conhecer pessoas “incríveis”. Ele diz ter se sentido à vontade em um ambiente em que discutir conceitos complexos de biologia era natural, diferente da escola.

Viana reforça o papel de formação mais ampla. “Muitos dos alunos que recebemos têm pouquíssima experiência de vida. Nós não queremos só formar técnicos, queremos formar pessoas. Profissionais para o Brasil, que saibam usar o conhecimento para resolver problemas”.

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