Consultor da UNESCO e Banco Mundial. Presidente do CADE, da EBN ( Tv Brasil ) e do Conselho de Comunicação Social (do Congresso Nacional). Membro da Comissão Nacional da Verdade. Ministro da Justiça da Academia Portuguesa de Letras. Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras.

CONVERSAS DE ½ MINUTO (40) ‒ PROFESSORES

Mais conversas, hoje só com professores e afins, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

ANATÓLIO JULIÃO, cientista social. Fundação Joaquim Nabuco. Conferência de Per-Erik Nilsson, principal Ombudsman da Suécia (Justitieombudsman, escolhido pelo Congresso). Como só falava sueco, junto dele estava um tradutor. Na hora das perguntas, levantou-se Anatólio, filho do grande Francisco Julião (das Ligas Camponesas), e dirigiu-se à mesa dos trabalhos:

– Como fazemos, Presidente? Eu falo e o tradutor traduz?

– Se preferir, primeiro o tradutor traduz, e depois o senhor fala.

Tumulto na sala, com todos gozando Anatólio. Cinco minutos depois, tentou falar, mas não conseguiu, pois um gaiato gritou:

– Cale a boca, idiota, que o tradutor ainda não traduziu nada.

Outros cinco minutos de algazarra. O que surpreendia a todos era a tranquilidade de Anatólio. Como se aquilo tudo não fosse com ele. Novamente em paz o recinto, afinal, começou:

– Dr. Per-Erik Nilsson.

E desembestou a falar em sueco. Era o único no recinto, afora o Ombudsman e seu tradutor, a falar essa língua. Aprendeu quando era porteiro de inferninho, em Estocolmo, acompanhando o pai exilado. E falava como se estivesse por cima da carne seca. Tinha mesmo razão, então se viu, naquela pergunta de antes. Primeiro ele falou, e depois o tradutor traduziu aquilo que foi por ele dito para a plateia de ignorantes ali presentes. Ao encerrar, olhou para mim e disse, baixinho:

– Ri melhor quem ri por último.

CELINA PINA, mulher do dr. Sizenando Carneiro Leão. Antônio, seu filho querido, iria ser doutor pela Sorbonne. A realização de um sonho. Dia da viagem, o Aeroporto dos Guararapes estava cheio com família, empregados, periquito, amigos, cachorro, vizinhos, o mundo inteiro para dar adeus a Toinho. Na hora do embarque, a velha o chamou para conversar:

– Queria lhe dar três conselhos, filho. Um, estude muito para ser o primeiro lugar da classe. Dois, de noite, não saia para beber nem raparigar. Três, e sobretudo, nunca diga a ninguém que nasceu em Pernambuco.

– Minha mãe, os dois primeiros conselhos até entendo, mas esse terceiro?

– É por ser muita falta de educação contar vantagem.

CRISTOVAM BUARQUE, ministro da Educação. E candidato (com meu voto), dia 30, à Academia Brasileira de Letras. Num táxi em Dakar (Senegal), considerando que a poligamia naquela terra é autorizada por Maomé (ele próprio me contou essa história), perguntou ao motorista:

– Quantas esposas o senhor tem?

– Uma só. E pode me dar muitos filhos, ainda.

– Quando ficar velha, troca por outra mais nova?

– Não, doutor. Posso até casar de novo, mas ela é muito boa para mim. Mantenho as duas.

– E você não acha errado ter várias mulheres?

– Não. Errados são vocês, no Brasil, que, quando a mulher fica velha, mandam embora e casam com outra mais nova.

– E quem foi que lhe disse isso?

– Eu que vi.

– Onde?

– Nas novelas da Globo.

FLAVIO BIERRENBACH, ministro do STM. No antigo Ginásio Mackenzie. O professor de português Nestor Costa, vulgo Expressinho, disse qual seria a prova: uma redação sobre o que cada um gostaria de ver publicado no dia seguinte ao da sua morte. Flávio tirou 10 com texto de só três linhas:

– Morreu ontem em São Paulo com 99 anos, baleado na porta da Catedral da Sé, o ex-presidente da República Flávio Bierrenbach. Socorrido na escadaria, o extinto ainda teve tempo de balbuciar três palavras: FOI O CORNO.

JOAQUIM SÍLVIO CALDAS, colega de classe na Faculdade de Direito da Católica e juiz do Trabalho. Certo dia, chegou seu pai, o Professor Caldas. Comprou um Renault caindo aos pedaços e veio pedir ao padre Cassiano para benzer. Assim foi feito. Ocorre que, ao sair de lá, na esquina da Dom Bosco com a Rua dos Médicis, bateu num poste com perda total. Indignado com a ineficiência da tal bênção, poucos minutos antes, voltou à Faculdade para reclamar:

– Bati com o carro, padre.

– Lamento.

– Mas o senhor acabou de benzer ele.

– Era para benzer? Então, desculpe. Entendi errado. O que dei a seu pobre veículo foi uma Extrema-Unção.

MÁRIO HENRIQUE SIMONSEN, economista. Numa conferência, em São Paulo, estudante dirigiu pergunta à nossa mesa:

– Professor Mário Henrique Simonsen…

Mário interrompeu:

– Meu filho, considerando o salário miserável dos professores, o que é que você tem contra mim?

PESSOA DE MORAES, professor. Armando Monteiro Filho, secretário de Viações e Obras Públicas de Pernambuco (que contou essa história), estudou com ele no Salesiano. E, condoído pela penúria financeira do antigo colega, o nomeou para cargo na secretaria. Com a missão de preparar editais de Concursos Públicos. São enormes, até hoje. Primeiro deles, para vigia de escola, Pessoa redigiu em uma única linha:

– Precisa-se de vigia. Requisitos: insônia e boa pontaria.

Mais nada. Constrangido, dr. Armando transferiu o velho amigo para cargo em que causasse menos danos.

Na Televisão Universitária, encheu o peito e, com aquela modéstia bem sua, encerrou programa que tinha por lá, Supremum Organorum, olhando para a câmera:

– O Brasil precisa de Pessoa de Moraes!!!

Dia seguinte, mandei telegrama (naquele tempo, não havia zap):

– Perdão, Mestre, mas discordo. O que o Brasil precisa, mesmo, é de pessoas de moral.

Dona RACHEL CORREIA DE CRASTO (registrada só como Rachel, depois de adulta entrou com ação para completar seu nome), educadora. Cursei todo o primário com ela, na primeira turma do Instituto Capibaribe (uma experiência pensada por ela e Paulo Freire). Quis sempre ser freira. E viveu toda a vida como uma, verdade seja dita. Aposentada, e já com mais de 70 anos, chamou para conversar em seu modesto apartamento na Rua das Graças:

– Meu filho, queria lhe pedir um favor.

– Diga, dona Rachel.

– Casamento é coisa séria. As pessoas se lançam em aventuras, você sabe como é.

– Sei.

– É o seguinte, só agora sinto que estou preparada para casar.

– Sim?

– E queria que você me arranjasse um noivo.

UNIVERSIDADE DE HARVARD. Na placa de avisos, um chamava atenção. Convocando, quem quisesse ir, para reunião do Partido Comunista. Dentro do próprio campus. Democracia é isso. Fui, por curiosidade. E vi quando um militante pediu a palavra:

– Sugiro eliminar o prefeito de Cambridge (cidadezinha onde fica a Universidade, separada de Boston pelo Charles River). Essa morte iria chamar atenção para nossa causa.

– Sou contra, ele é amigo, melhor encontrar outra forma de protestar.

E seguiu, sem conclusões, esse debate inacreditável. Como o número de espectadores (que não participavam da reunião) no anfiteatro era grande, perguntei a um colega próximo se alguém ali era da polícia. Ele:

– Quase todos.

Fosse aprovada tal proposta e, provavelmente, iriam ser presos. Na hora.

Uma das tarefas que assumi, coordenando projeto da Unesco, foi dar curso em Harvard. Aproveitei para visitar a Winthrop House, um dos edifícios em que alunos se hospedavam; e onde residi, por algum tempo, quando estudava lá. Estava quase igual. Diferente só as árvores em volta, agora bem maiores, tendo então portaria. Como não havia ninguém lá, tentei chegar ao primeiro andar, onde ficava o apartamento que ocupei. Foi quando, já no meio da escada, veio um porteiro — com mais de dois metros e cara de poucos amigos:

– Está procurando alguém?

– Sim.

– Quem?

– Eu.

Ele, primeiro, pareceu não entender. Mas logo riu e disse, com simpatia:

– Espero que encontre.

VENUSA SÁ LEITÃO, professora de português. Fim do biriba que semanalmente jogava com minha mãe e outras amigas, no Prado, e constatou que seu carro havia sido levado por um amigo do alheio. O filho foi buscar, para prestar queixa na delegacia e levá-la de volta. Passando pelo Shopping Center Recife, decidiu entrar:

– Vamos embora, mãe.

– Depois. Agora, vamos passear pelo estacionamento.

– Por quê?

– Tem muito carro por aqui.

Inútil argumentar com mãe obstinada. Ficaram percorrendo as filas, bem devagar, com janelas abertas e ela tocando na chave. Até que ouviu um bip.

– Pode parar.

Procurou, encontrou, e foi embora guiando seu querido carrinho. Só não se sabe o que aconteceu com aquele pobre ladrão ao descobrir que o carro foi roubado por algum colega desalmado.

José Paulo Cavalcanti Filho
jp@jpc.com.br

Consultor da UNESCO e Banco Mundial. Presidente do CADE, da EBN ( Tv Brasil ) e do Conselho de Comunicação Social (do Congresso Nacional). Membro da Comissão Nacional da Verdade. Ministro da Justiça da Academia Portuguesa de Letras. Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras.

Notícias relacionadas