
As ações de bancos brasileiros se desvalorizaram em bloco no pregão de terça-feira, e deram a tônica das negociações da Bolsa de Valores de São Paulo, a B3. O movimento causou uma perda de R$ 41,3 bilhões em valor de mercado das instituições financeiras.
Mas quais bancos tiveram a maior perda? E por que as quedas na Bolsa afetaram o setor bancário?
Para analistas, o receio dos investidores que causou a desvalorização generalizada no setor está ligada a uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino que deixou os bancos numa encruzilhada sobre como se adequar às sanções impostas pelos EUA via Lei Magnitsky. As informações são do jornal O Globo.
Embora não tenha citado diretamente a lei americana, o ministro limitou a aplicação automática de normas estrangeiras no Brasil, o que foi visto como uma resposta às sanções impostas pelos EUA sob o governo de Donald Trump a autoridades brasileiras como o ministro do STF Alexandre de Moraes e familiares.
A decisão de Dino foi tomada na tarde de segunda-feira. Mas as ações dos bancos só reagiram na terça-feira. Após a manifestação do STF, o governo americano, por meio do Departamento de Estado, soltou comunicado afirmando que “nenhum tribunal estrangeiro pode invalidar as sanções dos Estados Unidos ou poupar alguém das consequências graves de violá-las”.
Com a polêmica, as ações de bancos estiveram entre as maiores quedas da Bolsa de Valores brasileira na terça-feira:
- Banco do Brasil (BBAS3): -6,03%, a R$ 19,80
- Santander Brasil (SANB11): -4,88%, a R$ 25,94
- Itaú (ITUB4): -3,63%, a R$ 36,31
- BTG Pactual (BPAC11): -3,48%, a R$ 43,50
- Bradesco (BBDC4): -3,43%, a R$ 15,79
O Ibovespa, principal índice da Bolsa, fechou em baixa de 2,1%, aos 133.997 pontos. Foi a maior queda num dia desde o último dia 4 de abril, dois dias após o anúncio do tarifaço de Donald Trump.
Em valor de mercado, os bancos perderam, de acordo com a Bloomberg:
- Itaú: R$ 14,71 bilhões;
- BTG Pactual: R$ 10,747 bi;
- Banco do Brasil: R$ 7,278 bi;
- Bradesco: R$ 5,4 bi;
- Santander: R$ 3,2 bi.
O que diz a decisão de Dino e qual foi a reação dos EUA
Na segunda-feira, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que leis e ordens administrativas ou judiciais de outros países não produzem efeitos no Brasil de forma automática. O despacho foi feito após os Estados Unidos sancionarem o ministro Alexandre de Moraes com a Lei Magnitsky, que impõe restrições econômicas, como o bloqueio de contas bancárias e de bens em solo americano.
Na interpretação do mercado, a lei poderia afetar também bancos brasileiros que tenham operações nos EUA, como captações ou ações listadas em Bolsa. Mas, ao exigir que as instituições consultem o STF sobre a eventual aplicação de leis de outros países, Dino pode ter criado uma encruzilhada para os bancos, na interpretação de analistas de mercado.
Após a decisão de Dino, o Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, órgão vinculado ao Departamento de Estado dos EUA, afirmou que Moraes é “tóxico para todas as empresas e indivíduos legítimos que buscam acesso aos EUA e seus mercados” e que “nenhum tribunal estrangeiro pode invalidar as sanções dos Estados Unidos ou poupar alguém das consequências graves de violá-las”.
Ainda segundo o texto, americanos estão proibidos de fazer transações com o ministro, enquanto cidadãos de outros países “devem agir com cautela”. O comunicado foi replicado pela Embaixada americana no Brasil.
O que dizem os analistas
Para Rafael Passos, analista da Ajax Investimentos, a escalada das tensões institucionais sobre o tema pressionam os ativos de forma geral nesta terça, em particular os bancos:
— Desde que tivemos a (institucionalização da) Lei Magnitsky, poderíamos ter esse contágio em prêmio de risco institucional em estatais e bancos. Hoje o que a gente vê nessa pressão mais baixa, principalmente desses bancos, é reflexo dessa escalada aqui entre STF e Estados Unidos. E, de forma generalizada, vemos esse mau humor quando olhamos a curva de juros e câmbio — afirma.
Em relatório, Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, afirmou que o despacho de Dino é inoportuno diante da situação delicada entre o Brasil e os EUA:
“Esse jogo de retórica é extremamente prejudicial, à medida que traz implicitamente uma elevação do risco-país, mitigando investimentos instantaneamente e com efeito prolongado”, diz o economista em trecho da análise.
O dólar comercial à vista também foi pressionado pela decisão, fechando em alta de 1,19%, encostando nos R$ 5,50, aos R$ 5,4993. A curva de juros, que precifica a perspectiva de como estarão os juros no futuro, apresentava alta para os contratos entre o início de 2026 e 2031.
Como informou a colunista Malu Gaspar na terça-feira, a situação tem causado preocupação não só nos investidores, mas também na cúpula dos bancos brasileiros, já que a decisão pode causar impasse na atuação das instituições financeiras.
Na leitura de Eduardo Grübler, gestor multimercados da AMW, a decisão de que as ordens internacionais não valem para o Brasil de forma automática coloca os bancos brasileiros numa posição de incerteza, o que afugenta os investidores:
— A gente tem um cenário muito preocupante para os bancos, já que ou eles respeitam essa decisão (definida por Dino) ou arriscam retaliações, como serem excluídos do Swift, a rede de pagamentos internacionais — ele diz.
Rodrigo Marcatti, economista e CEO da Veedha Investimentos, avalia que os bancos podem se ver em uma encruzilhada caso o Supremo Tribunal Federal (STF) determine o descumprimento da Lei Magnitsky.
Ele lembra que muitas instituições financeiras brasileiras têm operações no exterior, associadas a escritórios e bancos americanos, além de relações com multinacionais. Nesse cenário, afirma, os bancos ficariam diante do risco de cumprir uma ordem do STF que poderia, por outro lado, resultar em multas ou impactos diretos nos negócios internacionais dessas instituições.
— Vai ficar no limite entre o banco ser o responsável por tomar um risco, ao atender a uma ordem do Supremo, ou algo que pode trazer multa e impactar os negócios das instituições.
Pedro Moreira, sócio da One Investimentos, diz que os bancos agora se encontram numa saia justa entre cumprir o que foi comunicado pelo ministro Dino ou seguir a aplicação da Lei Magnitsky.
Ele diz que o cenário mais extremo seria a aplicação de sanções aos bancos brasileiros, o que seria bem devastador por conta do impacto na atuação dos bancos no mercado internacional.
— O maior risco é os bancos brasileiros perderem a participação no mercado internacional. E lembrando, grande parte dos principais bancos brasileiros têm uma participação relevante no mercado americano e, caso acontecesse a aplicação dessa lei na sua forma mais rígida, os bancos brasileiros perderiam esse acesso ao mercado internacional e aí a gente poderia desencadear um problema bancário aqui.
Já Felipe Sant’Anna, especialista em investimentos da Axia Investing, observa que ainda há poucas informações vindas dos Estados Unidos, especialmente das empresas do setor financeiro. Ele diz que houve um afastamento diplomático entre Brasil e Estados Unidos e que não há, até o momento, qualquer sinal de mudança nesse quadro.
Além disso, afirma que as informações sobre a aplicação da Lei Magnitsky permanecem restritas, já que envolvem casos individuais, como o do ministro Alexandre de Moraes.
— Nós não temos as informações e o STF também não libera, principalmente porque seriam casos pessoais, seria uma aplicação em uma pessoa física.
Sant’Anna lembra que eventuais sanções poderiam atingir pessoas físicas e ter reflexos, por exemplo, no uso de cartões emitidos por bandeiras internacionais. Segundo ele, como Visa e Mastercard têm suas matrizes nos Estados Unidos, os bancos brasileiros poderiam ser impactados caso houvesse restrições impostas a clientes sancionados. Também não está claro se outras plataformas, como Apple Pay ou Android Pay, poderiam ser afetadas.