A inocência era o antídoto do medo. A ousadia ignorava os conselhos, que ficavam no batente da calçada. Pendurava a camisa no ombro, e saía à procura de qualquer coisa que tivesse a magia dos brinquedos. A liberdade era uma estrada estranha, lúdica, cheia de dúvidas, ladeada por anjos e demônios, que digladiavam-se para indicar o atalho a ser seguido. No ringue deles, seu destino. Mas os anjos sempre ganhavam a luta. As orações de sua mãe eram fortes, amaciavam suas quedas na hora do escorrego.
Foi benzido por uma rezadeira na hora do parto. Seu pai, um cidadão comum, honesto e trabalhador, limitava seus arroubos; dava corda, mas depois puxava quando percebia que ia quebrar o cabresto.
Sua casa era simples, sua rua era simples, seu bairro era apenas uma mancha de tinta no mapa da cidade. Não tinha luz, não tinha praça, não tinha nada. Hora de brincar. Mas cadê o brinquedo? Não tinha brinquedos, então inventava suas próprias brincadeiras.
Havia um monturo que tirava a beleza daquele lugar, mas era lá que encontrava, nas sobras dos meninos ricos, restos de brinquedos, que amarrava num cordão e saía puxando pelas calçadas.
Fazia seus próprios carrinhos de lata no quintal de casa, embaixo de uma latada a qual dizia ser sua oficina. Ali, além de consertar sonhos, tornava real algumas fantasias. Prego, martelo, cola, borrachas, pedaços de madeira e imaginação eram sua matéria-prima.
As rodas do carrinho eram feitas do solado de sandálias de borracha; As molas, de pedaços de chapinhas de aço, retiradas dos engradados de bebidas, feitos então de madeira, que eram usadas como cantoneiras. A carroceria era de flandre, e os bancos, pedacinhos de tábuas cuidadosamente lixados e forrados com retalhos de pano quadriculado, que apanhava na porta da costureira. O volante, o para-choques, as lanternas, os acessórios, tudo enfim… eram reciclagens das sobras do monturo.
E entre as peripécias de sua meninice, ia procurando a felicidade que poderia estar escondida na fartura, dos entulhos dos meninos da casa grande.