Consultor da UNESCO e Banco Mundial. Presidente do CADE, da EBN ( Tv Brasil ) e do Conselho de Comunicação Social (do Congresso Nacional). Membro da Comissão Nacional da Verdade. Ministro da Justiça da Academia Portuguesa de Letras. Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras.
QUEM TEM RAZÃO?
Imbróglio grande, no caso do IOF. O nome completo é bem maior, “Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativos a Títulos ou Valores Mobiliários”. Melhor mesmo só IOF, pois. Já “imbróglio” é palavra que vem do italiano, sem acento lá, já dicionarizada por aqui com o sentido de trapalhada ou confusão. Neste episódio, agora ocorrido, vale nos dois sentidos.
Mas o que aconteceu?, enfim. O governo precisava de grana para fechar suas contas. Só isso. E, em vez de ser austero nos seus gastos (como deveria), preferiu aumentar arrecadação. Para tanto, qualquer tributo serve, sem maiores preocupações com qual seria. É mais simples. Sem angústias com a já enorme carga tributária do país. Como deveria. Que, segundo a OCDE, o índice GIMI para países como o nosso deveria ser de 23% do PIB. Quando, no Brasil, já é superior a 33%. Muito. Demais.
Em 1930, a partir da análise da Hawley Smoot Tarif Bill, o economista Arthur Laffer, professor da Universidade de Chicago (Califórnia), desenvolveu conceito que acabou conhecido por seu nome – Curva de Laffer. A ideia é que o próprio mercado estabeleceria um limite para a expansão do poder de tributar do Estado. A partir do qual a evasão, com sonegação e outras práticas, impediria o aumento real da carga tributária. Para ele, esse limite seria 70%.
Mais tarde, em 1984, Christina Romer, professora de Economia da Universidade de Berkeley (Califórnia) e assessora de economia na administração Obama, provou ser esse o limite bem menor, de apenas 33%.
Um número importante porque, no Brasil, já passamos desse limite. Sem maiores preocupações do Governo. O que já elevou a SELIC para 15%, por enquanto. E tudo embalado num discurso populista com mote redigido por marqueteiro, “99 contra 1%”.
Para conseguir seu objetivo de aumentar a arrecadação, Lula/Haddad definiram novas alíquotas para o tal IOF e o Congresso derrubou (por 383 votos contra 98). O caso foi bater no Supremo por conta de dois partidos: o PSOL (ADC 96), querendo manter o Decreto; e o PL (ADI 7.827), buscando derrubar. Nos dois casos, antes mesmo da votação no Congresso.
Segundo nossa Constituição o Governo, sem dúvida, tem direito de alterar alíquotas de um tributo como esse, regulatório do mercado. Mas, também sem dúvida, não pode usar esse tributo para outros fins, como o de aumentar arrecadação. Nesse caso, para a proteção de todos nós contribuintes, teria que usar o Congresso. Em Lei Ordinária. Com todos os limites usuais, em casos assim, como o de só poder ser cobrado no ano seguinte ao de sua instituição.
No caso do IOF, e esse o problema central aqui, o Governo só poderia fazê-lo para regular o mercado. Jamais, apenas para arrecadar. Se assim se der, incorre em “Desvio de Finalidade”. E seria dever do Congresso corrigir essa anomalia. Como fez. Basta ver a Constituição:
Art. 49. É da competência do Congresso Nacional…
V – Sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa.
Não sendo necessário mais palavras para chegar à conclusão, evidentíssima, de ter ocorrido, no caso, esse Desvio de Finalidade. O caso foi bater nas mãos de um aliado fiel do governo, o ministro Alexandre de Moraes.
Na decisão que tomou (12 páginas), ele basicamente reconheceu que se possa usar o Decreto na regulação do mercado financeiro. Mas apenas para com esse fim. Que a jurisprudência no Supremo é pacífica no sentido de não aceitar esse tributo com fins arrecadatórios. Para dizer isso invocou julgados, no próprio Supremo, de (pela ordem, na decisão) Zanin (RE 590.186), Lewandowski (RE 570.680) e Dias Toffoli (ADI 5.277). Maldade pura. Por serem ministros (muito) ligados ao Governo. E todos reconhecendo que o aumento, nesse tributo, não pode mesmo ter como fim aumentar a arrecadação.
Problema é que não buscou, esse aumento no IOF, regular qualquer ponto do tributo, eis a questão. Não é ajuste, como teria que se dar, caso fosse mesmo regulatório. Para que se tenha uma ideia, usando números que estão na própria decisão de Moraes, o aumento para as pessoas jurídicas, foi superior em mais que 300% da alíquota até então em vigor; e, nas pessoas físicas, superior em 1.000%. Nem precisaria, para chegar a essa conclusão, bastaria ouvir Lula/Haddad confirmando, em todas as televisões, que precisavam ter esse aumento de caixa para cumprir o Arcabouço Fiscal.
Fosse pouco o imbróglio, em vez de tão somente decidir a questão na linha da jurisprudência pacífica do próprio Supremo, preferiu Moraes ajudar Lula/Haddad propondo uma estranhíssima conciliação entre Governo e Congresso. Na próxima terça, 15/07. Algo incompreensível, no tanto em que o papel do Supremo é só julgar (ver os três únicos itens do art. 102 da Constituição, que trata de sua competência, apenas “julgar”, “julgar” e “julgar”). Não se incluindo, em suas atribuições, a de promover conciliações políticas.
Para piorar, o Deputado Marcelo van Hatten já declarou que o presidente do Congresso não tem poder para negociar nada. E sugere que ele recuse comparecer a essa audiência. Com toda razão. Não faz nenhum sentido.
Resumindo: ou o governo está certo, e deve ser mantido o Decreto; ou não, e deve ser revogado. Cabendo então ao Supremo apenas constatar que o Decreto do Governo não teve fim regulatório, mas apenas arrecadatório. Ponto final. Declarando, em seguida, que o Decreto não pode prevalecer. Por conta da Constituição (Desvio de Finalidade, art. 49, V). E da jurisprudência reiterada do próprio Supremo, neste sentido. Simples assim. Fim do imbróglio.
Como o Brasil anda esquisito, nos tempos atuais, em vez disso tudo estanca na dependência de uma esquisitíssima (e incompreensível) conciliação. Como no poema de Fernando Pessoa (Nevoeiro,em Mensagem) “Tudo é incerto e derradeiro/ Tudo é disperso, nada é inteiro”. Um cenário amplo de dúvidas, pois. No Brasil de hoje, leitor amigo, tudo é incerto. Segundo o ministro Pedro Malan, “até o passado”. Deus nos proteja.
Consultor da UNESCO e Banco Mundial. Presidente do CADE, da EBN ( Tv Brasil ) e do Conselho de Comunicação Social (do Congresso Nacional). Membro da Comissão Nacional da Verdade. Ministro da Justiça da Academia Portuguesa de Letras. Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras.