EUA vão usar avião espacial secreto para testar alternativa quântica ao GPS

Um avião espacial militar dos Estados Unidos, o veículo orbital de testes X-37B, deve partir para seu oitavo voo na próxima quinta-feira (21). Grande parte do que o X-37B faz no espaço é secreto. Mas ele serve, em parte, como plataforma para experimentos de ponta.

Uma dessas experiências é uma alternativa potencial ao GPS que utiliza a ciência quântica como ferramenta de navegação: um sensor inercial quântico.

Sistemas baseados em satélites, como o GPS, são onipresentes em nossas vidas diárias, desde mapas de smartphones até aviação e logística. Mas o GPS não está disponível em todos os lugares. Assim, a nova tecnologia pode revolucionar a forma como naves espaciais, aviões, navios e submarinos navegam em ambientes onde o GPS não está disponível ou está comprometido. As informações são da Folha de S. Paulo.

No espaço, especialmente além da órbita da Terra, os sinais de GPS tornam-se pouco confiáveis ou simplesmente desaparecem. O mesmo se aplica debaixo d’água, onde os submarinos não têm acesso ao GPS. E mesmo na Terra, os sinais de GPS podem sofrer interferências (bloqueios), serem falsificados (fazendo com que um receptor GPS pense que está em um local diferente) ou desativados —por exemplo, durante um conflito.

Isso torna a navegação sem GPS um desafio crítico. Em tais cenários, é essencial ter sistemas de navegação que funcionem independentemente de quaisquer sinais externos.

Os sistemas de navegação inercial tradicionais, que usam acelerômetros e giroscópios para medir a aceleração e a rotação de um veículo, fornecem navegação independente, pois podem estimar a posição rastreando como o veículo se move ao longo do tempo. Pense em estar sentado em um carro com os olhos fechados: você ainda pode sentir curvas, paradas e acelerações, que seu cérebro integra para adivinhar onde você está ao longo do tempo.

No entanto, sem pistas visuais, pequenos erros se acumulam e você perde completamente o posicionamento. O mesmo acontece com os sistemas clássicos de navegação inercial: à medida que pequenos erros de medição se acumulam, eles gradualmente se desviam do curso e precisam de correções do GPS ou de outros sinais externos.

Onde a física quântica ajuda
Quando você pensa em física quântica, o que pode vir à sua mente é um mundo estranho onde partículas se comportam como ondas e o gato de Schrödinger está ao mesmo tempo vivo e morto. Essas experiências mentais descrevem genuinamente como partículas minúsculas, como os átomos, comportam-se.

Em temperaturas muito baixas, os átomos obedecem às regras da mecânica quântica: eles se comportam como ondas e podem existir em vários estados simultaneamente —duas propriedades que estão no cerne dos sensores inerciais quânticos.

O sensor inercial quântico a bordo do X-37B usa uma técnica chamada interferometria atômica, na qual os átomos são resfriados até uma temperatura próxima do zero absoluto, de modo que se comportem como ondas. Usando lasers finamente ajustados, cada átomo é dividido no que é chamado de estado de superposição, semelhante ao gato de Schrödinger, de modo que ele viaja simultaneamente por dois caminhos, que são então recombinados.

Como o átomo se comporta como uma onda na mecânica quântica, esses dois caminhos interferem um no outro, criando um padrão semelhante a ondulações sobrepostas na água. Codificadas nesse padrão estão informações detalhadas sobre como o ambiente do átomo afetou sua jornada. Em particular, as menores mudanças no movimento, como rotações ou acelerações do sensor, deixam marcas detectáveis nessas “ondas” atômicas.

Em comparação com os sistemas clássicos de navegação inercial, os sensores quânticos oferecem uma sensibilidade muito maior. Como os átomos são idênticos e não mudam, ao contrário dos componentes mecânicos ou eletrônicos, eles são muito menos propensos a desvios ou distorções. O resultado é uma navegação de longa duração e alta precisão, sem a necessidade de referências externas.

A próxima missão X-37B será a primeira vez que esse nível de navegação inercial quântica será testado no espaço. Missões anteriores, como a do Laboratório de Átomos Frios da Nasa e do MAIUS-1, da Agência Espacial Alemã, utilizaram interferômetros atômicos em órbita ou voos suborbitais e demonstraram com sucesso a física por trás da interferometria atômica no espaço, embora não especificamente para fins de navegação.

Em contrapartida, a experiência X-37B foi concebida como uma unidade de navegação inercial compacta, de alto desempenho e resiliente para missões reais de longa duração. Ela tira a interferometria atômica do âmbito da ciência pura e a leva para uma aplicação prática na indústria aeroespacial. Esse é um grande salto.

Isso tem implicações importantes para os voos espaciais militares e civis. Para a Força Espacial dos EUA, representa um passo em direção a uma maior resiliência operacional, particularmente em cenários em que o acesso ao GPS pode ser negado. Para futuras explorações espaciais, na Lua, Marte ou mesmo no espaço profundo, onde a autonomia é fundamental, um sistema de navegação quântica poderia servir não apenas como um backup confiável mas como um sistema primário quando os sinais da Terra não estiverem disponíveis.

A navegação quântica é apenas uma parte da atual onda mais ampla de tecnologias quânticas que estão saindo da pesquisa em laboratório para aplicações no mundo real. Embora a computação quântica e a comunicação quântica frequentemente roubem as manchetes, sistemas como relógios quânticos e sensores quânticos provavelmente serão os primeiros a ter uso generalizado.

Países como os EUA, China e Reino Unido estão investindo pesadamente em sensoriamento inercial quântico, com testes recentes em aeronaves e submarinos mostrando resultados muito promissores. Em 2024, a Boeing e a AOSense realizaram o primeiro teste de navegação inercial quântica em voo do mundo a bordo de uma aeronave tripulada.

Esse teste demonstrou capacidades em uma navegação contínua sem GPS por aproximadamente quatro horas. No mesmo ano, o Reino Unido realizou seu primeiro teste de voo de navegação quântica reconhecido publicamente em uma aeronave comercial.

Neste mês de agosto, a missão X-37B levará esses avanços para o espaço. Devido à sua natureza militar, o teste pode permanecer em sigilo e não ser divulgado. Mas, se for bem-sucedido, poderá ser lembrado como o momento em que a navegação espacial deu um salto quântico.

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