Encontra-se sob a análise da Presidência da República o projeto de lei nº 2.253-C/2022, aprovado pelo Congresso Nacional, que altera a Lei de Execução Penal para, dentre diversos temas, restringir o benefício da saída temporária aos presos em datas comemorativas e feriados, conhecido popularmente como “saidinhas”. O tema desperta calorosos debates, em especial quando os índices de segurança do país indicam o aumento da violência, em que pese, segundo o Sistema de Informações do Departamento Penitenciário, o número de pessoas encarceradas no Brasil tenha tido uma elevação de 0,8%, passando de 826,8 mil presos para 839,7 mil.
Analisando o tema, na última sessão, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil fixou entendimento no sentido de que as modificações “podem comprometer princípios essências do Estado Democrático de Direito e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”. Concluindo, assim, pela apresentação ao Presidente da República de parecer a fim de subsidiar sua decisão sobre a sanção ou veto do projeto de lei.
É importante observar que a nossa Constituição Federal prevê, dentre os direitos e garantias individuais e coletivos estampados no art. 5º, “ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Pois é dever do Estado, segundo a Lei de Execução Penal, assistir o preso lhe garantindo retorno à convivência em sociedade. Logo, além do punir, também é dever do Estado ressocializar, posto que, do contrário, não haverá sistema prisional ou recursos financeiros que suportem o número de encarcerados!
As saídas temporárias são benefícios concedidos apenas àqueles que já se encontram em ambiente penitenciário para trabalhar em colônia agrícola, industrial ou similar, e retornam ao fim do dia ao cárcere. Ou seja, presos que demonstram capacidade de retornar ao convívio social. Não sendo possível a concessão daquele benefício aos que se encontra em regime fechado. E, como bem destaca o posicionamento da OAB, “a saída temporária, como era prevista, era um instrumento de execução da pena privativa de liberdade voltado a fortalecer vínculos familiares, reduzir tensões carcerárias e possibilitar a reintegração social do preso. É dever do Estado garantir que a execução da pena ocorra de modo humanizado, porque a Constituição Federal de 1988 proíbe a utilização de penas cruéis e tratamento degradante, além de assegurar aos presos o respeito à integridade moral”.
A alteração proposta pelo Congresso Nacional enrijece o regime das saídas temporárias, impedindo a possibilidade de saídas para o convívio familiar, como nos finais de ano. Com a proposta, restringe a concessão do benefício apenas para a frequência a cursos supletivos, bem como cursos do 2º grau e superior.
Portanto, a proposta suscita preocupações significativas que transcendem o apelo superficial por medidas punitivas mais severas. Este benefício, longe de ser uma concessão leniente, é uma ferramenta importante na estratégia de ressocialização, fundamentada em evidências que demonstram sua eficácia na redução da reincidência. A reintegração de detentos à sociedade, através de oportunidades controladas para restabelecer laços familiares e sociais, é essencial para uma transição segura do confinamento para a liberdade.
A abolição dessas saídas não apenas contraria práticas baseadas em resultados positivos, como também ignora o impacto potencialmente negativo na superlotação das prisões e no bem-estar psicológico das pessoas privadas de liberdade. Ademais, ao limitar as oportunidades de reintegração, a medida pode inadvertidamente contribuir para o ciclo vicioso de crime e punição, em vez de promover uma sociedade mais segura e inclusiva. É imperativo abordar a questão com uma perspectiva equilibrada e baseada em dados, reconhecendo sua importância como parte de uma política penal.
É fundamental destacar a premente necessidade de equilíbrio entre segurança e humanidade dentro do nosso sistema jurídico. A essência de um Estado Democrático de Direito reside não apenas na capacidade de impor penalidades, mas, sobretudo, na habilidade de fomentar a reintegração social dos indivíduos. A proposta de restringir as saídas temporárias dos presos, contrariamente aos princípios constitucionais de ressocialização, sinaliza um retrocesso alarmante, afastando-nos dos ideais de justiça restaurativa consagrados por nossa Carta Magna.
Este não é apenas um debate sobre política criminal; trata-se de uma questão fundamental sobre o tipo de sociedade que almejamos construir. A ressocialização não deve ser vista como um benefício ao infrator, mas como uma estratégia para a redução da reincidência e, consequentemente, para a promoção da segurança pública. A verdadeira medida de uma sociedade democrática e justa não se encontra na severidade de suas penas, mas na capacidade de transformar e reintegrar aqueles que transgrediram suas leis, forjando o caminho para a paz duradoura e a segurança compartilhada.
FERNANDO J. RIBEIRO LINS, Advogado e Presidente da OAB Pernambuco.