Por Rhaldney Santos
Um mês após a tragédia, envolvendo mais um desabamento de prédio caixão, desta vez, no Janga em Paulista, que vitimou 14 pessoas, trago aqui as considerações do desembargador do TJPE, Erik de Sousa Dantas Simões, Coordenador Geral da Conciliação. O magistrado é o responsável pelo encontro, que pretende construir plano de ação para a resolução de questões geradas por prédios com problemas estruturais e que reuniu representantes do governo de Pernambuco, prefeituras do Grande Recife, como também, Ministério Público de Pernambuco e as empresas seguradoras dos imóveis, tipo caixão, em risco de desabamento. Os argumentos e considerações do desembargador nos fazem refletir sobre a complexidade e urgência das providências que devem ser adotadas para se evitar mais perdas de vida humana. Segue o artigo.
QUANDO SERÁ A PRÓXIMA TRAGÉDIA?
Pernambuco foi escolhido para realizar a primeira grande mediação judicial no país nos processos do Sistema Financeiro de Habitação – SFH. O Ministro Luiz Felipe Salomão, do STJ, destacou o Conjunto Habitacional e Residencial Cedro, em Caruaru, para servir como projeto piloto para tentar a autocomposição em centenas de processos em que se buscava indenizações por problemas na construção nos imóveis. Foram realizadas mediações em duas etapas, em 2020 e 2021, com índice de acordo superior a 95%, quando mais de 800 famílias foram indenizadas de forma imediata, encerrando de maneira amigável ações que, em sua maioria, duravam mais de uma década, e com o ineditismo de os acordos terem sido assinados por juízes Estadual e Federal, para dissipar qualquer dúvida sobre a competência.
No mesmo período, a Justiça Federal estava coordenando mediações sobre indenizações dos imóveis demolidos do Conjunto Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, com enorme sucesso. Acionei as autoridades competentes e incluímos processos que tramitavam na Justiça Comum, beneficiando mais de uma centena de famílias com o recebimento de indenizações de forma instantânea, encerrando a angústia de famílias que perderam suas casas e puderam recomeçar suas vidas de forma digna.
Mais uma vez, os acordos foram homologados por Juízes de Direito e Federal, dando-se origem a exitosa parceria, criando-se a Justiça 4.0, com as duas esferas judiciárias trabalhando harmonicamente em conjunto, em benefício da população.
A alegria com a nossa escolha para liderar o citado projeto piloto deu lugar a tristeza ao constar que Pernambuco foi o estado indicado por ter o maior índice de acidentes com imóveis. Principalmente em razão dos famigerados prédios-caixão.
Na busca para resolver o histórico problema de falta de moradias, em um passado recente, surgiu como solução a construção de pequenos prédios, sem fundação adequada, nem concreto e ferro. Sua construção seria barata, rápida e simples, resolvendo o problema de habitação para a população de baixa renda.
Entretanto, não demorou muito para se constatar que a escolha foi totalmente equivocada, surgindo todos os tipos de problemas estruturais, os quais foram agravados com o passar do tempo e pelas condições do solo, bem como, em razão das reformas e mudanças nos projetos feitas pelos ocupantes.
As tragédias dos desabamentos se sucederam. Imóveis que haviam sido interditados, alguns com mais de 20 anos fechados por determinação judicial, passaram a ser invadidos por pessoas sem-teto, que se tornaram vítimas fatais com os desmoronamentos.
Após a queda do Edifício Leme, em Olinda, com 6 mortes, no final de abril do corrente ano, como exerço a função de Coordenador Geral da Conciliação no TJPE, fui instado pelo Procurador-Geral de Justiça, acompanhado por duas Promotoras de Justiça com atuação na área, para tentar uma solução rápida e eficiente em relação ao gravíssimo problema.
De imediato, marquei uma reunião com o Chefe do Setor Jurídico da Caixa, o Procurador-Geral de Olinda, os citados membros Ministeriais, os coordenadores do Núcleo de Cooperação Judiciária e do Núcleo 4.0 do Tribunal, e iniciamos as tratativas. Contudo, três dias após, ocorreu nova tragédia, desta feita no Conjunto Beira-Mar, em Paulista, com 14 vítimas fatais.
Nova reunião foi realizada com a inclusão dos representantes do citado Município, das Promotoras de Justiça da Comarca, da Caixa Seguradora, de seguradoras privadas, do juiz e da desembargadora Federal com atuação no Núcleo 4.0.
Em mais uma importante reunião, foram incluídos representantes dos Municípios do Recife e Jaboatão dos Guararapes, do Estado de Pernambuco, da Superintendência de Fundos de Governo Federal e do Patrimônio da União, dentre outros, na esperança de que a solução definitiva possa sair com brevidade.
Não se busca indicar ou punir culpados. Não se pretende discutir questões jurídicas e responsabilidades. Estes temas serão resolvidos no julgamento de cada ação individualizada, com direito ao contraditório e à ampla defesa, em todos os níveis e graus de jurisdição.
O que se almeja é a imediata desocupação dos imóveis interditados, com a relocação digna dos atuais ocupantes, e que todos os imóveis com risco de desabamento sejam demolidos. Se assim não for feito, e com urgência, outras mortes irão ocorrer. Mais cedo ou mais tarde.
Indubitavelmente, todos os prédios-caixão condenados irão cair. A incerteza é sobre quando isso vai ocorrer, qual será o próximo, quantas pessoas irão morrer, e quem vai pagar por novas indenizações aos parentes das vítimas fatais. Por isso, esperamos de todos os envolvidos bom-senso, empatia, responsabilidade, comprometimento, rapidez e compaixão, na certeza de que a vida humana não tem preço e que precisamos evitar novas, iminentes e previsíveis tragédias.
Erik de Sousa Dantas Simões – Desembargador do TJPE, Coordenador Geral da Conciliação.
Fotos: Joelton Ivson | Innova Propaganda