Consultor da UNESCO e Banco Mundial. Presidente do CADE, da EBN ( Tv Brasil ) e do Conselho de Comunicação Social (do Congresso Nacional). Membro da Comissão Nacional da Verdade. Ministro da Justiça da Academia Portuguesa de Letras. Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras.

A FORÇA DO EXEMPLO

Sobral Pinto, mais que grande advogado, foi sempre símbolo de correção. E, para seus colegas de profissão, um exemplo. Participou, ativamente, na campanha de JK à presidência da República (em 1955). E, já no governo, Juscelino o indicou para vaga deixada, no Supremo, pela aposentadoria do ministro Frederico de Barros Barreto. Algo não apenas esperado por todos, sobretudo justo. Ele simplesmente merecia. Reação de Sobral

‒ Não posso, Presidente, que participei de sua campanha. E não seria digno, de minha parte. O que diriam de mim?, de nós dois?, se aceitasse.

A força do exemplo de Sobral deveria estar no coração de todos aqueles que estivessem, depois, em situações próximas. Só que assim não se deu, infelizmente, o “Cadáver do passado” (sem título, 01/07/1914, Fernando Pessoa) não serviu de lição aos pósteros. Lembremos apenas dois casos:

Primeiro deles foi Sérgio Moro, que jamais poderia ser ministro da Justiça de Bolsonaro. A quem ajudou indiretamente, na eleição, ao condenar Lula. Impedindo fosse candidato. Mas acabou aceitando esse cargo e deu no que deu. Nem Bolsonaro podia convidar, nem ele aceitar. O destino é cruel. Se recusasse, teria sido bem melhor para ele, que hoje estaria no Supremo. E para o Brasil; com a história da Lava-Jato, quem sabe?, sendo outra.

O segundo caso foi o de Ricardo Lewandowski. Para compreender o que fez, é preciso voltar um pouco no tempo. Em 08/03/2021 o ministro Fachin decidiu, monocraticamente, que a condenação de Lula não valia. Por uma questão menor, de foro. Algo difícil, quase impossível, de acreditar. Sem se incomodar com o fato de ter o ex-presidente sido condenado por 1 juiz, 3 desembargadores-federais do TRF4 e 5 ministros do STJ, que detidamente examinaram a situação em seus múltiplos aspectos. Inclusive o tal foro.

No total 9 decisões, antes, por unanimidade sempre quando coletivas. E o ministro sozinho, sem ouvir nenhum colega, teve a coragem (digamos assim) de anular os 4 processos então em curso contra o ex-presidente: aquele em que havia já sido condenado, Triplex de Guarujá; e os três restantes, ainda em curso – Sítio de Atibaia, Sede do Instituto Lula, Doações ao Instituto Lula.

Mas o serviço não estava completo, faltava o mais complicado. Que exigia coragem (digamos assim, novamente) ainda maior. Difícil de explicar à opinião pública. É que as provas, todas (inclusive numerosos depoimentos), permaneciam nos autos. Sem ser afetadas pela questão do foro. E qualquer juiz poderia quando quisesse, com base nelas, voltar a condenar aquele que, na época, era então já candidato a ser, novamente, presidente da República.

Coube a Lewandowski o papel de dar fim a esse risco, um trabalho do qual não tem razões para se orgulhar. Ao contrário. E o fez, em 29/06/2021, anulando todas as tais provas produzidas contra o então ex‒presidente Lula. Sem fundamentos jurídicos. Sem maiores explicações. Nem maiores constrangimentos. Como se seu poder não tivesse nenhum limite.  Novamente em decisão monocrática e, mais uma vez, sem ouvir ninguém.

Impedindo pudesse, o antes condenado, vir a ser punido no futuro; que, mesmo quanto feitas novas provas, os processos correspondentes, dada a idade do acusado, estariam então prescritos. Uma espécie de anistia prévia. E pouco depois, quando se aposentou, acabou ganhando um presente régio, que foi o cargo de ministro da Justiça. O mesmo de Moro. Com o exemplo de Sobral Pinto, nesses dois casos, jogado no lixo.

A família toda agradece. Inclusive seu filho advogado, Enrique Lewandowski, contratado (em 02/12/2024) pelo Centro de Estudos dos Aposentados e Pensionistas ‒ CEBAP; e também, a seguir, pela Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos ‒ AMBEC. Duas das associações comprometidas nesse escândalo da Previdência Social (não sei se houve mais alguma contratação, depois). E que deveriam estar sendo, ou no futuro deveriam vir a ser, teriam que ser, fiscalizadas pelo pai do advogado – o mesmo Lewandowski que, ministro, dirige a Polícia Federal.

Membros do Ministério Público (Lei 11.425/2006, art. 21) não podem advogar, um impedimento funcional e ético. Mas isso foi no passado que passou, amigo leitor. E não vale mais, hoje, para situações similares. Como quando Ministros do Supremo, sem dramas íntimos de consciência, julgam casos defendidos pelos caros escritórios de suas mulheres, assim decidiram. E o filho de Ministro advoga causas que estão (ou deveriam estar) sendo investigadas por seu pai ministro. Não é razoável. “O tempore, o mores” diria, o romano Cícero, caso ainda estivesse entre nós.

Mais um dos tais casos exemplares veio com a Ditadura Militar que teve início em 1964. É que o Supremo, na sua função básica de guardião da Constituição, na época mais que nunca teria que atuar na defesa dos Direitos Humanos e da Democracia.

Começam os mais sombrios anos da Redentora, em 1969, e três ministros se rebelam. O Supremo, por mãos deles, não estaria a serviço de governos autoritários. Em razão disso a Junta Militar, que acabara de assumir o governo, aposentou compulsoriamente Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal. Em protesto renunciaram, a seus cargos, o presidente da Casa, Gonçalves de Oliveira; e seu substituto, Antônio Carlos Lafayette de Andrade. Menos 5 ministros, portanto, com quem a Ditadura se preocupar.

Em breve síntese havia, então, dois Supremos. Um que defendia os direitos previstos (e em tese garantidos) na Constituição. E, outro, que ali estava na função subalterna de servir ao Governo Militar e cumprir suas ordens. Cego, surdo e mudo ante censura, torturas, mortes e desaparecimentos forçados. E sem aparentes “escrúpulos de consciência”, uso de propósito uma frase do passado.

O Supremo de hoje, amigo leitor, teria que decidir algo parecido; em síntese, se estaria mesmo disposto a defender a Constituição e a Democracia. Em um cenário diverso, mas igualmente grave, quando é grande a tentação de em algumas situações substituir outros poderes, como o Executivo ou o Legislativo. Achando pouco, agora, passa a exercer o papel de censor nacional. Dizendo quais informações deveremos ter (ou não) disponíveis. Com novo lema, na Côrte, agora é Censura nunca, mas…

Paro por aqui. Trata-se de uma escolha já feita, sabemos todos qual foi, é inútil continuar. Apenas cabe lamentar que não se tenha, no Brasil de hoje, o Supremo altivo de Evandro, Hermes e Victor. A força de seus exemplos, como antes o de Sobral, não valeram. É pena. E segue a vida.

Vejamos como todos esses personagens serão tratados mais tarde, algum dia senhores, quando a história desse tempo for escrita nos livros.

José Paulo Cavalcanti Filho
jp@jpc.com.br

Consultor da UNESCO e Banco Mundial. Presidente do CADE, da EBN ( Tv Brasil ) e do Conselho de Comunicação Social (do Congresso Nacional). Membro da Comissão Nacional da Verdade. Ministro da Justiça da Academia Portuguesa de Letras. Cadeira 39 da Academia Brasileira de Letras.

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