“A crise climática e o deslocamento de pessoas estão cada vez mais interligados”, explica um artigo da ACNUR Brasil, a Agência da ONU (Organizações das Nações Unidas) para Refugiados. “À medida que eventos climáticos extremos e condições ambientais pioram com o aquecimento global, eles contribuem para múltiplas e sobrepostas crises, ameaçando os direitos humanos, aumentando a pobreza e a perda de meios de subsistência, tensionando as relações pacíficas entre comunidades e, em última análise, criando condições para mais deslocamentos forçados”, detalha a fonte.
Enquanto o mundo luta para lidar com as complexas questões de migração e asilo, uma nova categoria de deslocados está emergindo silenciosamente nas margens da nossa consciência global: os refugiados climáticos. Estes são indivíduos forçados a abandonar suas casas devido a mudanças climáticas extremas, como inundações, secas, furacões e elevação do nível do mar. Este fenômeno não é apenas uma previsão futura, mas uma realidade presente que já afeta milhões de pessoas ao redor do mundo.
A crise dos refugiados climáticos desafia nossas noções tradicionais de migração e asilo. Diferente dos refugiados políticos, que fogem de perseguições ou guerras, os refugiados climáticos são vítimas das forças da natureza exacerbadas pelas atividades humanas. As mudanças climáticas, alimentadas por emissões de gases de efeito estufa e degradação ambiental, estão transformando vastas regiões do planeta em áreas inabitáveis. Desde as ilhas do Pacífico que enfrentam a submersão até as regiões áridas da África que sofrem com secas severas, as pessoas estão sendo forçadas a se deslocar em busca de sobrevivência.
Um exemplo trágico desta realidade ocorreu em Pernambuco, Brasil, em 2022. As chuvas torrenciais que atingiram o estado em maio daquele ano resultaram em inundações e deslizamentos de terra devastadores. Mais de 128 pessoas morreram, e milhares ficaram desabrigadas. Cidades como Recife e Olinda, tradicionalmente vulneráveis às enchentes, sofreram danos significativos. As imagens de ruas alagadas e casas destruídas foram um doloroso lembrete do poder destrutivo das mudanças climáticas .
A situação se repetiu recentemente no Rio Grande do Sul. Em 2024, o estado enfrentou uma das maiores tragédias climáticas de sua história. Chuvas intensas e inundações devastaram várias cidades, resultando em mais de 172 mortes, 44 desaparecidos, 806 feridos, 610,2 mil fora de casa. Em algumas áreas, o nível das águas subiu rapidamente, destruindo casas e infraestruturas. Estima-se que cerca 42 mil casas foram completamente destruídas segundo o Ministro Das Cidades, Jader Filho com base na informação repassada por apenas 74 de 471 municípios afetados, o equivalente a 94,77% do total. Ou seja, somente 26 não tiveram nenhum impacto relacionado às chuvas das 497 cidades gaúchas.
As comunidades mais afetadas enfrentam um futuro incerto. Famílias que perderam tudo agora dependem da ajuda governamental e de organizações não governamentais para sobreviver e recomeçar suas vidas. A tragédia do Rio Grande do Sul é um exemplo doloroso da urgência de enfrentar as mudanças climáticas e de adotar medidas eficazes para proteger as populações vulneráveis.
Para Jaqueline Soares, historiadora e mestra em Educação, Culturas e Identidades, é necessário que as populações em áreas periféricas se posicionem dentro das discussões ocasionadas pelas mudanças climáticas, pois “historicamente, nunca foi respeitado o direito a permanência de moradores de áreas pobres em seus lugares de origem, remoções e migrações foram sinônimos de políticas públicas para este contexto”, provavelmente com as mudanças climáticas, áreas como morros que hoje são habitados por grupos periféricos sejam requisitados por outros seguimentos sociais, sem o entendimento dos direitos em decorrência das mudanças climáticas, o deslocamento de grupos populares podem ser bem maiores.
Para Jean Batiste, migrante, haitiano, engenheiro civil, vivendo há 14 anos no Brasil e co-fundador da Conecta Migrantes, uma plataforma dedicada a conectar, capacitar e integrar os migrantes no Brasil, testemunhou de perto os desafios que a mudança climática impõe às comunidades mais vulneráveis. “Pela experiência que passei no terremoto no Haiti em 2010, que matou mais de 200 mil pessoas, compreendo profundamente a devastação que desastres naturais podem causar. A crise dos refugiados climáticos mostra a necessidade urgente de construir cidades mais resilientes e inclusivas. Precisa-se de um planejamento urbano que priorize infraestruturas robustas e seguras, além de políticas habitacionais que garantam moradias dignas para todos, especialmente para aqueles que vivem em áreas de risco. A resiliência urbana não é apenas uma resposta à crise climática, mas uma oportunidade de criar cidades mais justas e preparadas para o futuro. É crucial que a solidariedade global se traduza em ações concretas que protejam e empoderem as populações mais afetadas por essas mudanças. Investir na construção de casas sustentáveis e resilientes, bem como no planejamento de construções em áreas mais altas das cidades, é fundamental para mitigar os impactos de futuros desastres naturais.
Este cenário é particularmente crítico nas favelas do Brasil. As favelas, que abrigam cerca de 16,5 milhões de brasileiros, são frequentemente localizadas em áreas de risco, como encostas de morros e margens de rios. A infraestrutura precária, a falta de planejamento urbano e a ausência de serviços básicos tornam essas comunidades extremamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. Deslizamentos de terra e inundações são ocorrências comuns, resultando em perdas de vidas e propriedades. A tragédia em Pernambuco é apenas um exemplo das muitas catástrofes que afetam essas áreas negligenciadas.
Soluções Necessárias
Para mitigar os impactos das mudanças climáticas e proteger as populações vulneráveis, é fundamental adotar uma abordagem integrada que inclua:
1. Planejamento Urbano e Infraestrutura Resiliente: Investir em infraestrutura que possa suportar eventos climáticos extremos, como sistemas de drenagem eficientes, construção de moradias em áreas seguras e reforço de pontes e estradas.
2. Políticas Habitacionais Inclusivas: Implementar políticas que promovam a construção de habitações seguras e acessíveis para populações de baixa renda, especialmente nas favelas.
3. Educação e Conscientização: Promover campanhas de conscientização sobre os riscos climáticos e medidas preventivas que as comunidades podem adotar para reduzir sua vulnerabilidade.
4. Resposta Rápida e Apoio aos Desabrigados: Fortalecer os mecanismos de resposta a desastres, garantindo que as vítimas recebam rapidamente abrigo, alimentação e assistência médica.
5. Apoio Internacional e Cooperação: Buscar apoio de organismos internacionais para financiar projetos de adaptação climática e resiliência urbana.
6. Recuperação e Reassentamento: Planejar a reconstrução de áreas afetadas de forma sustentável, evitando a reconstrução em zonas de risco e reassentando famílias em locais seguros.
A crise dos refugiados climáticos é um lembrete poderoso de que as fronteiras nacionais são frágeis diante das forças da natureza. O mundo precisa reconhecer esta crise emergente e agir com urgência e compaixão. A proteção dos refugiados climáticos não é apenas uma questão de justiça, mas uma necessidade moral e prática para garantir um futuro sustentável e seguro para todos. A solidariedade global e a ação coletiva são as únicas respostas adequadas a este desafio do século XXI.