Uma velhinha com rugas em seu lindo rosto abraçava, melhor, agarrava a mim e o Pastor Samuel Júnior de Fortaleza depois de um show ecumênico no ano 2000 em Mossoró-RN. Não me lembro mais de suas palavras cheias de graça e encanto. Dizia algo tão antigo e tão novo de amor, de amar, ela mesma ali nos amando, e o padre e o pastor se amando e os dois amando Dona Benedita. Bendita seu nome, beneditos todos os três. Bendito Deus. Suas palavras eram verbo feito carne. Nos acochava mais ainda e nos amava. “Como é bom e bonito vocês, veja mulherzinha, como é lindo os dois juntos, um padre e um pastor”. Assim ia dizendo e vivendo apertando mais e mais a gente. Ah, aquelas rugas eram as feridas da vida cicatrizadas.
O abraço ainda me embala nesse instante. Escrevo sob os efeitos daqueles braços anciãos. Eles deixam minha mente e coração bailando no passo do Ecumenismo.
No final do show eu disse que não era menos padre nem ele era menos pastor por estarmos juntos, ele continuava evangélico e eu continuava católico, a diferença estava que nós nos amamos muito. Eu continuei, todo arrepiado, dizendo, “é verdade, nós católicos e evangélicos não vamos sair daqui nem menos católico nem menos evangélico; mas de uma coisa tenho sentimento e certeza, voltaremos para casa mais cristãos”. Nessa ocasião já tínhamos realizado quatro eventos ecumênicos. Desde os tempos de Seminário até hoje o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso são para mim um casamento até a morte de depois dela.
O pastor Samuel tem razão, a diferença está no amor. Ouvi de um missionário anglicano a história de um chefe de uma tribo africana que disse a ele não entender a nós cristãos. Dizia: “Do outro lado daquela serra tem uma tribo que crê no mesmo deus da gente. Por causa disso, nós não podemos lutar com ela. Enquanto vocês cristãos creem no mesmo Deus e vivem lutando entre si”. Jesus já havia dito “Que todos sejam um a fim de que o mundo creia”. O ecumenismo para os cristãos não é uma questão de opção, é um mandamento do próprio Senhor.
Jesus na última ceia com os seus apóstolos, orou ao Pai pela unidade daqueles que creriam nele. “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste… que sejam um como nós somos um, eu neles como tu em mim, para que eles possam chegar a unidade perfeita e, assim, o mundo possa conhecer que tu me enviaste e os amaste como tu me amaste”(Jo 17,21-24). Essa unidade pela qual Jesus pede ao Pai, não é possível somente com os nossos esforços humanos, mas sobre tudo com a ação do Espírito Santo. Como o Espírito Santo é no seio da Trindade a unidade entre o Pai e o Filho, assim é também, no seio da Igreja, aquele que realiza a unidade dos cristãos. “Vós também permanecereis no Filho e no Pai… e, nisto reconhecemos que permanecemos nele e ele em nós: Ele nos deu o seu Espírito” (1 Jo 2,24; 4,13).
Para os católicos, como expressa o papa João Paulo II na encíclica Ut Unum Sint: ”Com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica empenhou-se, de modo irreversível, a percorrer o caminho da busca ecuménica, colocando-se assim à escuta do Espírito do Senhor, que ensina a ler com atenção os sinais dos tempos (3)… Juntamente com todos os discípulos de Cristo, a Igreja Católica funda, sobre o desígnio de Deus, o seu empenho ecuménico de reunir a todos na unidade. De fato, a Igreja não é uma realidade voltada sobre si mesma, mas aberta permanentemente à dinâmica missionária e ecuménica, porque enviada ao mundo para anunciar e testemunhar, atualizar e expandir o mistério de comunhão que a constitui: a fim de reunir a todos e tudo em Cristo; ser para todos sacramento inseparável de unidade”(5).
A fundamentação do Ecumenismo está na Constituição Dogmática Lumem Gentium do Concílio Vaticano II que, afirmando que a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica reconhece elementos de salvação e de verdade nas outras Igrejas e Comunidades Cristãs (8). Mas é no Decreto Conciliar sobre o Ecumenismo, UnitatisRedeintegratio, que esse empenho de modo irreversível, tem seu principal documento. Uma só no Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo; um só batismo que nos insere num só e único Corpo Místico, somos todos cristãos (2).
Com a Igreja Ortodoxa temos a mesma fé na eucaristia e nos demais sacramentos, em Maria mãe de Cristo e da Igreja e sucessão apostólica (15).
Com as Igrejas da Reforma, digo, principalmente as históricas, compartilhamos a mesma Palavra de Deus e, para algumas delas, a Santa Ceia, é bem próxima no rito e, as vezes na próxima da fé eucarística (20).
O ecumenismo é o desejo sincero de todas as Igrejas Cristãs – Católica, Ortodoxas e Evangélicas – de viver a unidade na diversidade. “Nós somos muitos mais formamos um só corpo” (1Cor 12,12).
Essa unidade não pretende de modo algum sacrificar a rica diversidade de espiritualidade, de disciplina, doutrina, ritos litúrgicos e da característica própria que especifica cada Igreja. Somos da mesma religião. Não existe uma religião protestante e uma religião católica. Somos todos da religião cristã. “Fomos todos batizados num só Espírito para ser um só corpo, o Corpo de Cristo, que é a sua Igreja” (cf. 1Cor 12,13; Cl 1,18).
A alma do ecumenismo é a oração em comum pela unidade dos cristãos, o estudo sério da teologia e ações concretas de cultos de louvor e benção, de evangelização em conjunto e de um trabalho na defesa dos direitos humanos e preservação do meio ambiente.
Aqui no Brasil o ecumenismo tem vivido uma experiência muito positiva. Em 1982 foi fundado o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC). As Igrejas membros são a Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja SírianOrtodoxa do Brasil, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Cristã Reformada do Brasil, a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e a aliança de Batista do Brasil. O CONIC tem realizado há muitos anos a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos na semana que antecede o Domingo de Pentecostes e desde o ano 2000, de cinco em cinco anos, realiza-se a Campanha Ecumênica da Fraternidade. Também há várias atividades de estudo teológico, de cultos ecumênicos, evangelização conjunta e trabalhos de promoção da dignidade humana e da paz.
A velhinha com rugas em seu lindo rosto tinha toda razão. Somos membros do Corpo de Cristo Ressuscitado. Professamos a mesma fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Vivemos, celebramos e anunciamos a Páscoa do Senhor até que ele volte. Esperamos todos a ressurreição da carne e mundo que há de vir. Somos filhos do mesmo Pai, por isso irmãos. São muitas as coisas que nos separam uns dos outros. Todavia, aquilo que nos une é bem maior do que aquilo que nos separa. Aquilo é Aquele: Cristo.