
No ano de 1987, de volta ao Recife pela segunda vez, e dessa vez em definitivo, depois de passar por São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador; com um disco independente embaixo do braço, resolvi que deveria ficar por aqui mesmo, e adquirir o respeito em minha própria terra pra, depois, em um, talvez qualquer, ser reconhecido fora de Pernambuco. Fui ficando, ficando e me fincando cada vez mais dentro das raízes culturais desta terra. Os bares da vida eram os palcos onde eu podia me apresentar e dizer a minha poesia musicada, cheia de cactos, cheia de sol, cheia de sonhos. Havia um espaço no Pina, por nome de Soparia, onde sempre, no final da noite, era o ponto de encontro dos músicos, poetas, agitadores culturais, boêmios e afins… Roger de Renor era o proprietário e todo final de semana levava uma galera pra tocar um som que me atraía e mexia comigo pelo fato de ser uma música que misturava um monte de sons originalmente nossos, uma mistura de côco, maracatu, baião, hip-hop, rock, repente, forró, o diabo-a-quatro. Era uma coisa impressionante, nunca havia escutado nada parecido, era Chico Science e A Nação Zumbi. Ficava maravilhado com aquilo, embora fosse mais ligado ao forró, me deixava levar por aquele som, e percebia que ali tinha um pouco de mim também; não cheguei a participar diretamente do movimento mangue, mas acompanhei toda a trajetória dele, desde o começo até a morte de seu líder. Cheguei a reverenciá-lo em uma canção minha, e guardo na lembrança a imagem desse período que me fez ver que o mundo é mais além do que eu imaginava. Que a poesia vai além das rimas e das métricas, que o repentismo também está nos morros, no asfalto, na praia, e nas periferias dos grandes centros urbanos.
Dizem que, entre os caranguejos, os de baixo puxam os de cima. Mas, olhando por outro ângulo, vejo que, na verdade, eles penduram-se uns nos outros, para formarem uma corrente e tentar sair do buraco da lama; diferentemente da raça humana, na qual os de cima pisam nos de baixo, para que eles se enterrem mais ainda.
Sem generalizar, penso que, estamos musicalmente em um bumerangue; indo “da lama ao caos, do caos à lama”. Mas a esperança será sempre a última a morrer; enquanto houver caranguejos, enquanto não aterrarem o mangue e subirem mais edifícios de vinte e cinco andares, ou mais, haverá sempre um Josué de Castro para descrever o berro dos que cavam o alicerce dos arranha-céus.