Quando criança, somos estimulados a ouvir, ler, escrever e contar histórias fabulosas. Entretidos, não percebemos que, ao lado do papel riscado de fantasias, separados por uma linha tênue, está a banca de aula que nos remete à dureza da vida. A voz suave da professora, com o livro aberto no colo, é abafada pela campainha indicando a hora do recreio, como se quisessem nos mostrar desde cedo a superação do mundo real ao imaginário.
Continuamos, porém, nos corredores e parques vivendo um mundo mágico sem nos importar com os avisos. Na correria das brincadeiras de criança, as fantasias vão sendo deixadas cada vez mais no papel amassado, guardado por nossas mães, e pela lembrança daquela tia do primário, que adorava contar historinhas.
Crescemos. A banca (dura) substituída pela porta fechada de muitas oportunidades. A sirene do recreio lembrando um simples assovio perante dezenas de buzinas de carros atravessadas. As brincadeiras, engravatadas, com um ar mais sério. O relógio, inimigo útil.
E se essa vida adulta, muitas vezes monótona, fosse substituída por aquele mundo fantástico infantil, onde situações mirabolantes acontecem a todo instante, onde somos heróis inquebráveis e tudo em nossa volta é uma grande aventura? E se resolvêssemos adornar fabulosamente a realidade através das palavras? O Barão de Münchhausen o fez.
Seguindo a mesma fonte, Asher, em 1951, criou o termo Síndrome de Münchhausen para descrever os indivíduos que produziam intencionalmente sinais e sintomas físicos de doenças para receber tratamento médico. Esses indivíduos compulsionam a fantasiar uma vida fictícia para causar uma grande mobilização e perplexidade nas pessoas, a chamada pseudologia fantástica (mentira patológica). Diferente, porém, das histórias bélicas e cheias de aventuras fantasiosas e instigantes do heróico Barão de Münchhausen, a síndrome incapacita o indivíduo e o faz viver uma verdadeira odisseia: sucessivas admissões hospitalares, realizações de exames e cirurgias desnecessárias.
Quando descoberta a falsidade da doença física por algum médico, esses indivíduos abandonam o hospital e reiniciam a jornada em outro centro, perpetuando suas histórias fantásticas. Nessa epopéia, todavia, essas pessoas não são heróis, mas vítimas de um transtorno pouco compreendido pela sociedade.
Hoje, a psiquiatria classifica a Síndrome de Münchhausen como Transtorno factício com sintomas predominantemente físicos. É diagnosticada em menos de 1% dos pacientes atendidos em consultas psiquiátricas em hospitais gerais. A síndrome é muito confundida com a simulação, causando rechaço nos profissionais que se deparam com esse tipo de paciente. Os simuladores, contudo, produzem conscientemente sinais e sintomas de doença com uma motivação óbvia de um ganho secundário como, por exemplo, garantir compensação financeira através da hospitalização, fugir da polícia ou uma aposentadoria precoce. Além disso, os simuladores podem parar de produzir seus sintomas quando estes não são mais lucrativos, ou quando os riscos corridos aumentam.
Na Síndrome de Münchhausen, a produção dos sintomas também é consciente, porém a busca é por um ganho primário, que é o de “Estar doente”, sem motivações externas. O paciente apresenta um distúrbio do conteúdo do pensamento, um juízo não verdadeiro anormal: a Mitomania, a mentira compulsiva. O conflito subjacente a este ganho primário é inconsciente e pode refletir uma grande vontade de ser admirado, de ser digno de amor e consideração pelos demais, ou uma insatisfação com a real condição medíocre existencial.
A educação a respeito do transtorno e a busca por compreender os motivos do paciente podem ajudar a equipe médica a não o tratar com indignação e hostilidade por ter sido enganada perante a doença física. O psiquiatra tem um papel importante como mediador dessa relação da equipe com o paciente e na condução do caso, para que o indivíduo possa adornar sua realidade com cores mais vivas e vibrantes que o branco estático hospitalar.